TSH, entre o primeiro e terceiro dia do ciclo menstrual, pode
ser feito com o FSH, isso, efe de faca e esse de sapo e agá de, agá de quê?, de
homem, isso, e com o LH, laranja e homem, mas colposcopia não permite
menstruação, então precisa ser feita em outro dia, mas oferecemos lanchinho
todos os dias, nem pesquisa de chlamidia e neisseria e mycoplasma e ureaplasma
permitem menstruação, mas ultrassom de tireoide pode ser feito com o de abdome
e com o de mamas, se o convênio der a senha, assim como para a dosagem de 25
OH, ovo homem, vitamina D, de dado. Então eu vou, vou sem agendar os
triglicérides e o T4 livre, duvido que ainda encontrem alguma coisa livre em
mim, e vou agendada para a ressonância de mamas, além do ultrassom, se o
convênio der a senha. Talvez não vá a lugar algum, com ou sem agendamento, é
que tenho uma dor de cabeça que não me larga nos dias da menstruação e tudo turva. Talvez eu vá mesmo
tomar um sorvete e me permita morrer um pouco todo dia, sem saber dos perigos
que trago em mim.
Preciso te contar uma mentira
segunda-feira, 16 de janeiro de 2017
sexta-feira, 13 de janeiro de 2017
Não sei
Se tenho mais um filho, se vou viver com os Médicos sem
Fronteiras, se faço doutorado, se vou para a Índia, ou Croácia, ou Somália, se
vendo a alma ao Diabo para ganhar mais dinheiro, se me desapego dos bens
materiais, se me divorcio, se fico casada, se arranjo um amante, se viro
vegetariana, ou triatleta, ou alcoólatra, se vendo o carro, se compro outro
carro, se escrevo um conto, se escrevo um romance, se desisto de tentar
escrever, se adoto um cachorro, se mudo para o interior, ou para o litoral, ou
para o Uruguai, se viro garçonete, ou taxista, ou prostituta, se desisto da
ética, se faço dieta, se aprendo japonês, ou russo, ou alemão de novo, se faço
lipoaspiração, se aplico botox, se não compro mais cremes, se deixo de tirar a
cutícula, se faço uma viagem de quinze dias, de trinta, ou sessenta, se nunca
mais volto, se fico para sempre, no
matter what, se compro no Dia, ou no Pão de Açucar, ou no Santa Luzia, se
falo o que penso, se me calo em um íntimo foda-se,
se adoto uma menina, ou um menino, ou um casal, ou três crianças desgraçadas,
se penso em mim, se penso nos outros, se saio da cama, se nunca mais levanto,
se leio poesia, se esgoto a Netflix, se curso Psicologia, ou abro um salão de
beleza, ou presto concurso público, se faço ioga, ou grav maga, ou natação, se
pego um carro, um navio, um ônibus ou um avião, se vou a pé, se como, agora, um
chocolate, ou não.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2016
Para Vanessa, todo 21 dia de dezembro
Ela tinha quinze
anos, assim como eu, quando chorou porque tirou oito na prova de física. Eu, de
frente para ela, sem entender nada. Eu, que estaria pulando de alegria se
tirasse um oito em uma prova de física. Eu, para quem a física não passou dos
cálculos para sabermos, afinal, em que ponto da estrada os carrinhos A e B se
encontrariam. E ela chorando. Por quê?, eu perguntei com irritação na voz, você
tirou oito! E ela, rosto vermelho de lágrimas: essa nota pode atrapalhar meus
planos para estudar medicina, você não entende. Não entendia mesmo. Não entendi
nada. O vestibular era dali a dois ou três anos, eu não tinha a mais mínima ideia
de qual profissão escolher; eu, que aos sete queria ser empregada doméstica,
aos oito bailarina, aos nove professora, aos dez professora de inglês, aos onze
aeromoça, aos doze guia turística, aos treze diplomata e dos quatorze aos
dezoito só queria mesmo saber de beijar os meninos bonitinhos da cidade, mesmo já estudando Comunicação Social desde os dezessete.
Portanto, eu estava na fase do beijo e das festas e ela já preocupada, há muito
tempo antes, com seu objetivo principal: ser médica. Parei. Era admirável, para
mim, imediatista, ver alguém pensar com tanta antecedência. Eu, que entre a
porta de casa e a padaria a três quarteirões, já pensei em mais três profissões
para exercer. Eu, que entre o quarto e o banheiro, faço um desvio para a
cozinha, depois para a lavanderia e depois para a sala e não me lembro mais
para onde estava indo quando saí do quarto. Eu, que começo o dia determinada a
fazer meu negócio crescer e vou dormir pensando que talvez ainda dê tempo de me
tornar astronauta – ou psicanalista. E ela, chorando na minha frente, sabendo
desde criança o que queria e o que deveria fazer para chegar lá. Em vez de
chorar, vamos para uma festa! (sempre havia uma) – tentei animá-la, ao que ela
chorou ainda mais: não sabia ir a festas, não sabia o que fazer em uma festa e
era feia. Puxei-a para um espelho, fiz ela olhar bem para a cara dela, enchi-a
de beijos enquanto dizia “mas olha como você é linda!” E fomos para uma festa.
Se não exatamente naquele dia, em outro. E em outros, sem que ela perdesse o
foco da medicina, que cursou, em uma das melhores faculdades do país (e eu
estava lá, de mãos dadas com ela, esperando o resultado), mas não concluiu,
porque a vida é besta. Eu, sem perder o foco das festas, entendi que não
precisava ser reprovada na maioria das matérias para poder frequentá-las, ainda
que sem a certeza da medicina ou do que quer que fosse (até hoje).
domingo, 18 de dezembro de 2016
Procura-se uma parteira
Como me parir aos quarenta anos, com o cordão enrolado no
pescoço, os pulmões cheios de mecônio, sentada em uma posição da qual não
consigo sair sem ajuda, enquanto a eu parturiente tem pressão alta e nem um
mísero milímetro de dilatação? No abraço das afogadas, não identificamos a
parasita e a hospedeira, eu feto preciso da não dilatação, eu parturiente da
posição sentada, e seguimos unidas, fingindo uma alegria em um resto de
conforto que não conseguimos mais fingir que existe. Posso sair homem, posso
sair mulher, posso sair pobre ou rica, gorda ou magra, advogada ou médica,
solteira ou casada, loira ou morena, burra ou inteligente, mas é tão grande o
medo, com a morte pelo menos não há decisões a serem tomadas, se existisse um
Deus que me tirasse o livre-arbítrio para ele eu rezava, livrai-me, Senhor, do
livre-arbítrio e decida o melhor por mim, algo que me permita ao menos respirar
sem esse cordão em volta do pescoço. Que eu possa me parir e chorar, agora do
zero, tudo de novo.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2016
Desarmamento
Aqui estão: minhas armas. Não lutarei mais e por motivo algum.
Não há nada mais que eu possa carregar: uma metralhadora, um revólver, uma
faca, um soco inglês, uma caneta, um sorriso, uma pena. Que tudo fique como está: gramado sem
pés que o pisem, pessoas dormindo sobre jornais nas ruas, contratos vitalícios
com operadoras de telefonia e TV a cabo, meninas estupradas pelos pais e
padrastos e tios, automóveis acima das pessoas, crianças roubadas nas ruas,
celulares sem sinal, aposentadoria aos noventa anos, trânsito em julgado após
doze anos, carros com preços de imóveis, imóveis com preços que nem sei
pronunciar, bolsas com preços de carros, carros carros carros, o dedo do meio
dos motoqueiros e dos motoristas, lanche feito de isopor com aroma de peito de peru
defumado, o fim da filosofia e da sociologia, o caixa dois, três e quatro, o dinheiro do cafezinho e das joias, árvores
derrubadas, os juros, cachorros mortos a pauladas, minhas feridas abertas, todas, que
deixarei expostas às moscas, debaixo do sol no meio de um dia de verão, na rua,
no asfalto, no concreto, até que explodam e vazem minha tristeza fétida por uma
avenida de trinta mil reais o metro quadrado, no mínimo.
quarta-feira, 14 de dezembro de 2016
Nuvens
São nuvens opacas e densas que escondem o azul. Um bloco que
ameaça, mas não desagua. Agora vai, penso, mas o agora não chega. Nuvens cada
vez mais prenhas, mais cinzas, mais úmidas, mas que não se permitem. Olho e
vejo meu ventre no espelho, nenhuma brecha para a fuga. Por onde sairão os
nossos rebentos? Nenhum tempo mais para um aborto, precisamos parir esse
líquido todo, mesmo que saia uma gosma verde e cheirando a bosta, mesmo que nos matem, mesmo
que nos queimem, não há volta. Vai chover. Em algum momento vai chover e
estarei na rua, descabelada e nua, com as pernas abertas, entregando ao
mundo, aos berros, o que carrego em mim.
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